A reflexão a seguir será dividida em três partes que serão publicadas semanalmente, sendo elas:
I. “O consumo no mundo globalizado”
II. “Fast Fashion” e “Slow Fashion”
III. “Como a vestimenta se operacionaliza”
II. “Fast Fashion” e “Slow Fashion”
O “Fast Fashion” é um conceito que pensa a produção de moda rápida, massificada e barata. Trazendo novas tendências de moda a cada semana, não possuindo apenas quatro estações do ano, e sim quantas “estações” achar necessário. Para executar o processo desses produtos massificados, atuais e baratos, as grandes lojas de departamento tiveram que criar mecanismos para modificar a sua forma de produção, procurando países com mão de obra qualificada, rápida e barata. Geralmente tais países não possuem leis trabalhistas (ou se possuem, não são aplicadas corretamente). Esse aspecto vai muito além da “oferta e demanda”, nos remetendo a estruturação de uma forma de consumo (competitiva, exagerada) que se relaciona com a nossa sociedade pós-moderna e globalizada, de acordo com o autor Milton Santos (2011):
“Neste mundo globalizado, a competitividade, o consumo, a confusão dos espíritos constituem baluartes do presente estado de coisas. A competitividade comanda nossas formas de ação. O consumo comanda nossas formas de inação. E a confusão dos espíritos impede o nosso entendimento do mundo, do país, do lugar, da sociedade e de cada um de nós mesmos.” (SANTOS, 2011, p. 46)
Vemos que o consumo de bens aumentou juntamente com processos de aceleração do acesso ao conhecimento, de produtividade, e de competitividade. Mas mesmo com inúmeros processos de padronização dos gostos e estilos de vida, vemos que há movimentos que se diferenciam e contrapõem tais “universalidades”. No campo da moda encontramos o “Slow Fashion”. O conceito de “Slow Fashion” surgiu inspirado no conceito de “Slow Food”. Tal conceito, por sua vez, nasceu no final da década de 80 (precisamente em 1986) na Itália, através do jornalista Carlo Petrini. Petrini temia a “americanização da Europa” através dos “Fast Foods”, pois tais estabelecimentos estavam substituindo a gastronomia local. Em novembro de 1989, delegados de 15 países assinaram o manifesto do “Slow food”, escrito pelo sócio fundador do movimento, Folco Portinari, foi aí que o movimento começou de forma oficial internacionalmente. Tal manifesto aborda questões políticas, sociais, culturais, ambientais e trabalhistas relacionados à indústria alimentícia:
“O nosso século, que se iniciou e se tem desenvolvido sob a insígnia da civilização industrial, inventou primeiro a máquina e depois fez dela o seu modelo de vida. Somos escravizados pela rapidez e sucumbimos todos ao mesmo vírus insidioso: Fast Life, que destrói os nossos hábitos, penetra na privacidade dos nossos lares e nos obriga a comer Fast Foods. Para ser digno desse nome, o Homo Sapiens devia libertar-se da velocidade antes que ela o reduza a uma espécie em vias de extinção.” (Trecho do manifesto “Slow Food” escrito por Folco Portinari)
Em oposição a tal “rapidez” intitulada como “Fast Life” proveniente do processo de globalização, o movimento “Slow Food” nos remete a hábitos alimentares relacionados ao prazer de nos alimentar de maneira lenta, como uma forma de nos blindar dessa sede por eficiência e rapidez que permeia a sociedade atual, simbolizada na forma com que produzimos e consumimos nossos alimentos e vestimentas (entre outras formas de consumo).
Tal movimento aborda também a questão da produtividade, onde há uma lógica focada em lucros, quantidades e números, esquecendo-se das relações sociais, das pessoas e do meio ambiente. Apóia-se o gosto pela cultura local e as trocas de experiências culturais, e não a homogeneização dos comportamentos e as formas de consumo que e a “Fast Life” promove.
Enxerga-se então, aspectos que vão além do consumo de um alimento em si, abordando questões culturais, sociais (hábitos), ecológicos, entre outros. O “Slow Fashion”, inspirado em tal movimento, também é uma forma de repensar o consumo (neste caso, o consumo de roupas). Poderíamos pensar que o conceito de “Slow Fashion” é a sua tradução para o português, no sentido literal, como uma “moda lenta” onde a diferença central em relação ao “Fast Fashion” estaria na mera oposição à velocidade de produção das roupas. É reconhecível o aumento do tempo necessário para a produção de uma peça intitulada como “Slow Fashion”, mas esse aspecto não é central.
Tal aumento do tempo de produção não se dá unicamente pela não utilização de mão de obra massificada, mas também por conta de inúmeros conceitos relacionados a coleções de roupas atemporais (onde a roupa adapta-se a diversas estações do ano, podendo ser utilizada mais vezes do que uma peça não atemporal), modelagens feitas de forma mais elaborada do que o comum, utilização de matérias primas nobres, eco eficientes ou naturais, processos feitos artesanalmente trazendo um conceito de “exclusividade” – em oposição à massificação das peças nas grandes indústrias. São peças que nos remetem a um trabalho artesanal, pensando meticulosamente cada processo de produção.
O único problema do “Slow Fashion” e do consumo consciente é que nem todas as pessoas tem acesso a tal “consciência”. Pois além das barreiras sociais vinculadas aos espaços sociais (e virtuais) que as pessoas frequentam, temos os aspectos monetários, que criam distinções perceptíveis no modo em que as pessoas consomem. Cabe a moda resolver esse paradoxo: um círculo vicioso de produção barata e massificada que ela mesma criou e que trás inúmeros malefícios sociais e ambientais. Em oposição com os produtos “politicamente corretos”, “conscientes” que são destinados a pessoas com uma “cultura superior” e que de modo contraditório exclui a maior parte da população mundial.
Será então que o movimento “Slow Fashion” é realmente algo que revolucionará a moda, ou será mais um slogan de publicidade classista, que continua excluindo majoritariamente a maior parte da população? Estamos realmente conscientes do rumo das nossas escolhas de consumo?
Rerefências:
BOURDIEU, Pierre (2007), O amor pela arte. Porto Alegre: Editora Zouk.
BOURDIEU, Pierre (2003), Os usos sociais da ciência, por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP.
BOURDIEU, Pierre (2015), A Distinção, crítica social do julgamento. Porto Alegre: Editora Zouk. 2ª reimpressão da 2ª edição.
SANTOS, Milton. 2011. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 20ª edição.
LOPES, Luciana D. LOWBROW ART E ESCAPISMO ONÍRICO: INSPIRAÇÕES PARA UMA COLEÇÃO DE MODA SLOW FASHION. Santa Catarina: 4º ENPModa