“Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento Que fez o meu filho suspirar”
(Chico Buarque – Angélica)
Pouco se sabia sobre os desaparecidos políticos do Brasil na época da ditadura, e qualquer forma de indagação ou protesto em relação ao assunto era extremamente oprimido na época. O aparelho repressivo governamental apoiava-se em meios ilegais de repressão (tortura, assassinato, cárcere privado), e no meio das milhares de vítimas dessas repressões estava Stuart Angel Jones, ativista do Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8, preso político pelos agentes do CISA no dia 14 de junho de 1971, que foi brutalmente assassinado tendo o cadáver ocultado.
Esse ato cometido pelos militares despertou o lado militante da mãe de Stuart, Zuzu Angel (1921-1976), que foi praticamente a primeira estilista brasileira a se preocupar em retratar aspectos culturais e políticos do Brasil em suas coleções nacionais e internacionais. Zuzu é mineira e começou a carreira como costureira, ficou conhecida também em Nova York, mas foi no Brasil que seu engajamento político começou a se refletir na forma com que ela fazia moda.
Após a morte de seu filho, Zuzu começou a olhar com outros olhos para a ditadura militar e para o seu papel de estilista. Usou a dor da perda de seu filho como inspiração para as suas roupas, trazendo aspectos simbólicos referentes às atrocidades da ditadura militar. Não se calou em nenhum momento de sua carreira, envolvendo inúmeras pessoas (principalmente ligadas ao meio artístico) na sua luta em busca de justiça e em busca do corpo de seu filho:
Fonte: AG Rio de Janeiro (RJ) 05/03/2014 Cartas de Zuzu – A exposição sobre Zuzu Angel, que o Itaú Cultural abre em primeiro de abril em São Paulo, além de vestidos, estampas e farto material da obra da estilista, também levará ao público as cartas que ela escreveu a autoridades cobrando informações sobre o desaparecimento do filho Stuart Edgar Angel Jones, eliminado pela ditadura. Entre as peças, estará o original de uma das cartas enviadas a Ernesto Geisel, onde ela pede ao general que aponte onde está o corpo do rapaz. Corajosa, Zuzu diz em um trecho: ”Que teria sido feito do corpo do meu amado filho? Tão belo rapaz, torturado e assassinado no Cisa [Centro de Informações da Aeronáutica] no Galeão, por ordem do Brigadeiro Burnier, então comandante da 3ª zona aérea. Até hoje não recebi por parte das autoridades responsáveis esclarecimento”.
Foto: André Seiti
Zuzu soube da morte de seu filho através de cartas do companheiro de cela de Stuart, que relatavam a forma brutal com que ele havia sido colocado no porta-malas de um carro e levado até a Base Aérea do Galeão (RJ), e à noite arrastado e amarrado a uma viatura com o rosto praticamente colado a um cano de descarga. Mais tarde, seu corpo foi jogado ao mar. Em 2013, dois militares envolvidos neste caso confessaram à Comissão Nacional da Verdade tais atos de violência.
Desfile protesto
Em 1971 Zuzu fez o primeiro “desfile protesto” que se tem notícia, com o tema voltado a ditadura militar. Elementos como tanques de guerra, andorinhas pretas, soldados, sóis quadrados e anjos foram retratados em suas roupas.
Cinco anos depois do desfile, no dia 14 de abril de 1976, Zuzu Angel sofreu um acidente de carro que ocasionou a sua morte na saída de um túnel no Rio de Janeiro (hoje homenageado com o seu nome). Porém, algumas semanas antes, sentindo-se insegura por conta da sua militância e da situação política do país, a estilista manda diversas cartas a figuras importantes no Brasil, entre eles o músico Chico Buarque:
Em uma parte da carta diz: “Se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou outro qualquer meio, terá sido obra dps mesmos assassinos do meu amado filho”. Não há dúvidas de que Zuzu estava certa. Notícias recentes mostram que o “acidente” havia sido forjado pela ditadura militar:
“Em seu segundo depoimento à CNV (Comissão Nacional da Verdade), o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra afirmou nesta quarta-feira (23) que um coronel do Exército esteve na cena do acidente de carro que matou a estilista Zuzu Angel, em 1976, e que a morte dela foi provocada pela ditadura militar. Foi a primeira vez, segundo a Comissão da Verdade, que um agente da ditadura admitiu publicamente a possibilidade de atentado contra Zuzu.” (Fonte: Folha de S. Paulo, 2014)
Essa corajosa mulher, além de se expressar politicamente no período da ditadura através de suas roupas, fez história deixando um viés a ser seguido na moda: a moda política. Uma forma impactante de fazer moda, que aborda tanto aspectos culturais brasileiros, quanto políticos, que narra histórias, que reivindica direitos, que dá voz as minorias, que atravessa gerações. É preciso aproveitar a voz e o poder que as roupas tem, inserindo símbolos com críticas políticas e sociais nelas, e não somente com aspectos estéticos. Zuzu, não deixando o lado obscuro da história morrer, deixou um exemplo de trabalho para que possamos rever todos os dias as atrocidades cometidas por um regime opressor e ditador, nos lembrando de nunca mais repetir o mesmo erro histórico: a ditadura militar.
Segue a música que o Chico Buarque fez após a morte de Zuzu Angel:
Fontes:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1490254-ex-delegado-do-dops-diz-que-morte-de-zuzu-angel-foi-planejada-pela-ditadura.shtml
http://educacao.uol.com.br/biografias/zuzu-angel.htm
http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/07/cnv-mostra-foto-de-coronel-no-local-do-acidente-que-matou-de-zuzu-angel.html
http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/zuzu-angel/